Doki-Doki 2 - Aristocracia É o Caminho
[link—standalone]Esse episódio foi ruim, não me sinto orgulhoso dele. Não que eu tenha lido livros ruins (bom, teve o do Dugin), mas o episódio em si foi muito difícil de gravar e eu fui extremamente burro. Três horas gravadas direto, sem pausa, me fazendo terminar com a garganta doendo de tanto falar.
De certa forma, boa parte dos livros ainda foram políticos, mas isso não foi regra absoluta. Gostei muito de ler alguns desses livros, mas senti falta de literatura, e decidi então para o próximo pegar uns livros de mitos arturianos. Comentarei no próximo episódio — que vai existir, ok?
Ainda assim, foram temas políticos relativamente distantes um do outro. Provavelmente não vale a pena ouvir o episódio, mas ainda assim caso alguém tenha interesse, aqui vai a lista. Novamente, episódio ao final:
- A Rebelião das Massas (José Ortega y Gasset):
- The Politics of Myth (Robert Ellwood):
- The Betrayal of the American Right (Murray Rothbard):
- A Quarta Teoria Política* (Alexandr Dugin):
- How to Talk Dirty and Influence People (Lenny Bruce):
- Esaú e Jacó (Machado de Assis):
- Bad Therapy - Why the Kids Aren't Growing Up (Abigail Shrier):
Esse foi sem dúvidas o livro mais interessante da lista, Ortega y Gasset conseguiu enxergar antes da Segunda Guerra Mundial basicamente todos os problemas que teríamos dali para a frente. Ele é um liberal existencialista, mas não um liberal que vem do aspecto econômico ou coisa do tipo, além de passar longe de ser ingênuo. Esse livro é uma descrição e crítica do maior problema da democracia — a massa despersonalizada — e um apelo para a aristocracia cultural e talvez até mesmo política. Foi curioso ler esse livro depois de The Machiavellians, que foi comentado no último Doki-Doki porque apesar de ambos verem esse elitismo como algo bom, a abordagem não podia ser mais diferente;
O livro trata de três autores associados ao estudo de religiões e mitos — Joseph Campbell, Mircea Eliade e Carl Jung — a partir de um ponto biográfico mas analisando as "controvérsias" políticas deles. Estranhei Campbell nessa lista porque ele não é exatamente uma figura controversa, nunca falou de política, mas fiquei positivamente surpreso ao ver seu interesse em gente como H.L. Mencken. Os outros dois eu já tinha noção por causa das acusações de antissemitismo que eles sofreram e até comentei no último Doki-Doki sobre o caso do Eliade. Mas, é claro, nenhuma acusação muito bem fundada.
O legal desse livro é que, ao contrário de basicamente tudo que o Rothbard escreveu, não tem tom acadêmico quase nenhum. Apesar de falar extensivamente da mudança do discurso político da direita, indo da "Antiga Direita" para os neoconservadores pró-guerra que marcaram o século XX, o livro é quase autobiográfico, e quem conhece um pouco da história do Rothbard pode imaginar que sobra para todo mundo. Rothbard acreditava no uso de qualquer meio para cooptar mais inimigos do Estado, esquerda ou direita, tanto que fez parte tanto da New Left quanto do National Review. No fim da vida, ainda ajudou Pat Buchanan a colocar os fundamentos para o surgimento da Nova Direita americana, como mencionei comentando The New Right no último episódio. Vale muito a pena nem que apenas para conhecer figuras da Antiga Direita;
Esse livro é ruim e não acho que consegui expressar no episódio quantos problemas eu tive com ele. Dugin é claramente inteligente, mas é de uma inteligência acadêmica meio desconexa do mundo real. Ele postula três ou quatro coisas e constrói uma narrativa baseada nelas, que estaria certa caso esses postulados estivessem certos. Na realidade, o mundo é muito mais complexo e a história é muito diferente do que ele quer pintar. A análise do liberalismo dele é péssima, e o fato dele sequer esconder que é um propagandista provavelmente explica isso — ele provavelmente conhece liberais, mas não vai retratá-los de maneira fiel. A própria definição de "liberalismo" que ele usa é no mínimo questionável. Não tem apenas lixo no livro, mas o livro é predominantemente lixo;
Lenny sempre foi uma figura que me interessou muito. Assisti o filme do Dustin Hoffman anos atrás, talvez devesse rever, inclusive, e gostei muito. No terceiro episódio de Seinfeld, o Jerry comenta que estava lendo a biografia dele, então eu tinha noção de que esse livro existia, e... finalmente peguei para ler, coisa de dez anos depois de saber de sua existência. É um livro muito "uneven". A história da vida dele foi muito interessante, em particular a experiência dele fingindo ser um pastor e lendo a Bíblia apenas para perceber que era basicamente um terapeuta com clientes dispostas a pagar horrores para ter reforço positivo, mas a segunda metade do livro é quase totalmente composta por transcrições de sessões judiciais com comentários dele por cima. É um livro muito engraçado e bem judeu às vezes. Bom, mas poderia ser melhor;
É um livro sobre nada. Não estou exagerando. Não é muita coisa que acontece em Esaú e Jacó, mas a premissa segue o título do livro: temos dois gêmeos absolutamente idênticos, mas que não poderiam ser mais diferentes. Em tudo divergem, exceto na mulher que amam. Eu gostei muito de ler esse livro pelas descrições do Brasil de antigamente, tão distante do atual mas ainda assim tendo algumas coisas que até hoje nos perseguem. Foi curioso ver como o sincretismo religioso já era algo brasileiro mesmo no século XIX, e achei particularmente interessante ver como os dois irmãos, revolucionário e conservador, eram próximos até politicamente. Como o Michael Malice diria, "conservatism is just progressivism driving the speed limit", e acho que Pedro, o irmão conservador e monarquista, prova isso ao terminar o livro como um "republicano moderado";
Livro fantástico que em muito iluminou minha percepção de um fenômeno da minha geração. Zoomers tornaram doença mental uma espécie de credencial de validação, e em muito isso foi culpa... dos pais e dos profissionais. Shrier começa falando de iatrogênese, que é a capacidade de profissionais da saúde acabarem piorando seus pacientes, e descreve como existe uma indústria em torno de saúde mental (que outra doença tem um pico na quantidade de casos depois da cura, terapia, ser descoberta?). Não é que zoomers tenham vida particularmente mais difícil, mas a tentativa de protegê-los dos traumas da geração passada acabou criando um monstro ainda maior. Agora coisas normais são consideradas doenças e tratadas com a mesma seriedade que se trataria uma doença crônica. Muita perversão por parte de professores e psicólogos é descrita nesse livro, mas acho que o apelo humanista é o que mais me pegou:
Many people love their spouses because of their quirks. I've never heard of anyone loving another for her diagnosis.
* Não encontrei na Amazon. Eu li esse livro em inglês porque a tradução em português era muito questionável. A em inglês também tinha problemas (mesmo sem saber russo, eu garanto), mas acredito que eram menores pelo mero fato de não ter sido feita por um brasileiro. O Michael Millerman, tradutor pro inglês, é uma figura em que confio e não duvido da honestidade, apesar de ter seus problemas — ser um acadêmico de acadêmicos. O que me fez ver que as pessoas atraídas por Dugin frequentemente se interessam mais em abstrações do que na realidade foi principalmente o fato de sequer alguém de cuja honestidade não duvido traduzir errado o nome de um economista mainstream e conhecido — George Stigler foi traduzido como J. Stigler. Claramente Millerman só olhou o texto de Dugin e traduziu de maneira análoga, sem saber exatamente quem era a pessoa que estava sendo citada. Obviamente brasileiros fizeram o mesmo erro na versão em português.
Não estou mais colocando links da Amazon porque... não ganho nada com isso, então mudei para o Goodreads. Além disso, não tem A Quarta Teoria Política nem na brasileira nem na gringa, devem ter banido o Dugin por causa da guerra na Ucrânia.
De qualquer forma, é isto. Não sei ainda quais vão ser os livros que vou comentar na próxima edição, mas já li dois livros esse mês — no meu Goodreads tem o que estou lendo.
Até a próxima, amigos.