Doki-Doki 8 - Vida Estética: Sedução, Sensação, Desolação e Redenção
[link—standalone]E estamos no terceiro episódio do ano do nosso clubinho de literatura. Doki-Doki, amigos!
O primeiro dos três livros que vou comentar nesse episódio foi lido há alguns meses, e eu já sabia que queria falar algo sobre Um Herói de Nossos Tempos de Mikhail Lermontov. Eu instantaneamente pensei em várias coisas que já conhecia da filosofia do Kierkegaard. Em particular, lembrei da aula do professor Michael Sugrue, em que ele comenta sobre a perspectiva do homem estético na filosofia do dinamarquês. "É isso que Kierkegaard diz ser a vida do homem estético: uma distração seguinte da outra para prevenir que ele veja o vácuo da sua existência".
Isso acontece porque o livro do Lermontov se foca em um personagem que se entedia com todos. Ele constantemente boceja na presença dos outros, e está sempre buscando alguma coisa maluca para fazer, ainda que ela seja violenta ou perigosa. Ele só quer mais um rush de adrenalina, só mais uma distração. A consequência de ler esse livro foi decidir que eventualmente eu pegaria o tomo gigantesco de Kierkegaard para ler: Either/Or. Mas, eu demorei um pouco.
E ainda não li a obra inteira, estava mais interessado inicialmente na defesa da vida meramente estética, que é a primeira parte. E assim eu li a primeira parte de Either/Or, que é perfeitamente racional. Para Kierkegaard, você pode usar a razão para qualquer coisa: se você assumir que viver em torno de si é a melhor coisa a se fazer, racionalmente pode chegar nisso. Se assumir que viver pelos outros é o melhor a se fazer, racionalmente também pode se chegar nisso. Lembro de Haidt ao encontrar essas coisas: vamos racionalizar absolutamente qualquer coisa para justificar nosso ponto de partida.
E a parte A de Either/Or é uma justificativa para o pior tipo de pessoa no mundo, o mais imediatista, o que só pensa nas próprias sensações e está disposto a sacrificar qualquer pessoa, por mais próxima que seja, em prol da fantasia. É um tipo de pessoa fundamentalmente desprovido de coragem, porque se o mal maior for o tédio, ou for a decepção, a pessoa simplesmente não vai correr riscos que permitiriam ela a viver algo muito mais bonito caso fosse construído.
Seria impossível, dado o tanto de Kierkegaard que tenho mencionado nos últimos episódios do Doki-Doki, de não citar episódios antigos, então... talvez seja mais fácil entender os episódios 5 (ao menos o final dele), 6, 7 e 8 como uma tetralogia. Mas aqui eu trouxe mais fontes.
Como eu só li metade do livro do Either/Or, faltou a redenção. Eu tenho uma ideia de como é a vida ética porque li Temor e Tremor, como ouvintes do Doki-Doki 5 devem saber, e lá está o cavaleiro da infinita resignação. Decidi então buscar a redenção em outro lugar. Foram os poemas que formam os Quatro Quartetosde T.S. Eliot.
Eu não consigo explicar o quanto que me intimidou ler um poema tão complexo. A sensação ao ler poemas é de que sou um macaco batendo pratos, porque geralmente não entendo nada. Então, peguei também um outro livro chamado Dove Descending, do literário católico Thomas Howard, para usar como guia. Não concordei 100% com ele, mas os comentários foram extremamente úteis e ajudaram em muito.
Os quartetos descem a Noite Escura da Noite e termina nos consolando:
All shall be well, and All manner of things shall be well By the purification of the motive In the ground of our beseeching
Eu não queria terminar o episódio em uma nota tão negativa quanto depois do Either/Or, não queria dizer que a única saída racional para os problemas postos eram essa vida hedonista e consequentemente o suicídio, até porque eu sei que não são e o próprio Kierkegaard sabia. Acho que finalizar com Os Quatro Quartetos foi perfeito. É um belíssimo poema, não falei tudo que poderia sobre, mas sempre vou manter nas minhas referências.
Sempre tenho de resumir, ou então cada episódio dessa joça teria cinco horas. E está tudo bem! Ou melhor, como diria a tradução que peguei do Eliot para os que não falam inglês,
E tudo sairá bem e Toda casta de coisa sairá bem
Como sempre, foi um prazer gravar isto.