Doki-Doki 7 - Paixão Suicida e Introspecção Paralisante
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Bem vindos ao segundo episódio do ano do Doki-Doki!
Na solidão da noite, mil pensamentos perturbadores cruzaram a sua mente cansada. (...) Em noites mal dormidas, as imagens desvaneceram pela mão do tempo, passando com cores frescas pelas areias vagas.
Eu li o livro Two Ages: A Literary Review do filósofo dinamarquês no começo do ano. Quem acompanha meu Goodreads pode ter visto, mas não comentei o livro por muito tempo porque ele realmente me impactou um tanto e eu senti que deveria dar uma certa prioridade no sentido de importância, fazer algo com mais cuidado. Como visto no último Doki-Doki!, The Sickness Unto Death foi similar, e eu dediquei um único episódio a este livro — episódio este que ficou mais longo do que o atual, que discutiu dois livros e uma ideia psicológica. Two Ages é um livro impressionante. Mesmo sendo uma resenha literária, consegue ser lido como uma obra independente, e é extremamente profunda. Mas decidi ler a obra que inspirou.
O problema? Ela não tinha tradução para inglês ou português. Como vou ler um livro dinamarquês sem tradução? Então... com IA. Sim, eu traduzi o livro do dinamarquês para o português e o inglês com uma IA, e mesmo tendo alguns erros perceptíveis, consegui acompanhar a história e entender de onde Soren Kierkegaard tirou suas observações. Ao menos em alguns casos.
A obra original, da autora Thomasine Gyllembourg, trata um fenômeno que ela observou sozinha e Kierkegaard de maneira independente: enquanto no passado o senso de dever tomava conta, e na "era das revoluções" isso se tornou uma paixão por um valor. Mas, da mesma forma que o romantismo permitiu a era das revoluções, a "era presente", a modernidade, é caracterizada pelo excesso de informação e uma paralisia covarde.
Gyllembourg descreve as duas épocas de maneira extremamente imparcial, existindo personagens positivos e negativos em ambas. Kierkegaard também o faz. Mas não é como se a diferenciação das eras não existisse. Enquanto a "era das revoluções" é uma "explosão vulcânica", a "era presente" é uma "passividade paralisante". E nós nos encontramos na era presente, não há dúvidas.
Não é difícil encontrar pessoas completamente neuróticas com redes sociais, com como serão entendidas e como será a percepção dos outros com aquilo que postam, falam, suas opiniões. O processo de pensar excessivamente em suas ações, avaliar e reavaliar elas racionalmente, é chamado de reflexividade. E a solução simples para se encaixar na sociedade é se fechar e se igualar a todos os outros em um processo que Kierkegaard chamou de nivelamento, esmagando tudo aquilo que te torna diferente. Todos seus problemas, todas suas manias, suas obsessões, seus interesses: tudo tem que ser reduzido e diminuído ao mínimo denominador comum.
Well, I try my best to be just like I am
But everybody wants you to be just like them
They sing while you slave and I just get bored
I ain't gonna work on Maggie's farm no more
— "Maggie's Farm", Bob Dylan
Observando a quantidade de pessoas inseridas nesse estado paralisante, psicólogos modernos chegaram ao conceito de desamparo aprendido, que é o estado de passividade diante de problemas reais por não acreditar na possibilidade de ter agência própria e conseguir causar alguma mudança positiva. Nossa consciência nos tortura enquanto nos deixamos ser abusados pelos nossos contextos.
Muito disso acontece por vergonha — talvez o processo de nivelamento seja algo análogo à vergonha tóxica que o Pedro Sette-Câmara comenta em seu curso O Mapa do Subsolo, que é a vergonha que sufoca a expressividade de uma emoção por te fazer se sentir mal por ser si mesmo.
Mas, tenho de resumir aqui as coisas, então para ouvir essas ideias sendo discutidas, ouçam o episódio. É sempre um prazer gravar os Doki-Dokis.
ter, 02 set 2025 22:54:48 -0300
Doki-Doki 6 - Desespero, Pecado, Agonia, Consciência
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Ainda existe o Doki-Doki!
Peço desculpas pela demora, mas acontece. Eu vou gravar mais episódios, com certeza, mas por enquanto vamos falar só de um: The Sickness Unto Death, ou O Desespero Humano, ou Tratado do Desespero. É um livro pesado, difícil e denso. Mas juntos dá para conseguirmos fazer alguma coisa por aqui.
Quando a morte é o maior perigo, há esperança na vida. Mas quando se descobre algo mais terrível que a morte, se deseja que ela venha.
Eu acho.
O autor é o meu filósofo favorito, Soren Kierkegaard, que é considerado por muitos o pai do existencialismo, mas antes de qualquer coisa ele era cristão. Kierkegaard foi uma reação às tendências unificadoras e generalistas da filosofia moderna, e nesse livro ele fala sobre o assunto mais importante: religião.
O tratado do desespero argumenta que nosso desespero é consequência do nosso inevitável pecado. E qual a solução de Kierkegaard? Nos despirmos do orgulho diante de Deus e termos uma relação individual com ele.
São Paulo pergunta: "Miserável homem que sou! Quem me livrará do corpo dessa morte?", e a resposta está nas páginas desse livro. Somente Deus.
Gostei muito de gravar isso, foi extremamente difícil mas extremamente produtivo. Espero que gostem.
Até a próxima, amigos.
qui, 07 ago 2025 20:49:03 -0300
O centésimo.
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Eu sou um completo vagabundo, aparentemente.
Digo isso porque cheguei em uma marca sinceramente absurda.
Comecei a gravar o KrameriCast dentro do carro da minha mãe em 2020 e em cinco anos coisa para caralho mudou na minha vida. E esse episódio foi uma olhada por cima do ombro para trás, comentando sobre os bastidores de vários episódios e o quanto tudo isso significou para mim.
Agradeço todos que já ouviram algum episódio, dado que não tem motivo algum para ninguém ouvir nada disso. Se o conteúdo for ruim, peço paciência, se for bom, agradeço o elogio e a audiência.
Obrigado. :)
sáb, 21 jun 2025 18:29:58 -0300
KrameriKast Klassic? Sim! Temos Bob Dylan!
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Sim, é verdade... temos um novo KrameriKast Klassic!
A dificuldade de gravar esses episódios é que eles são difíceis de planejar, preparar, etc.. Ao menos os Doki-Doki são de pouca pesquisa, apenas leio o livro e comento, mas os KKKs...
Sendo bem direto, Blood on the Tracks é um álbum extremamente, extremamente delicado. É emocionalmente exaustivo, todo mundo sabe a história da separação. Mas eu quis entrar em detalhes: o que faz Blood on the Tracks ter uma atmosfera tão diferentes? Por que o estilo literário do Dylan mudou tanto? Como ele mudou?
Mas o mais importante é: por que ele ecoa tanto emocionalmente com as pessoas?
Nos últimos tempos, se tornou fashion colocar BotT como o melhor álbum do Dylan. A Rolling Stone, que nos anos 2000 já tinha colocado Highway 61 Revisited e Blonde on Blonde dentre os 10 melhores álbuns de rock da história, em 2020 decidiu que este era o melhor álbum do Dylan, e o único a entrar neste decágono. Não que lista da Rolling Stone signifique alguma coisa, mas a diferença de tom desses dois para o BotT é gritante, e só isso explica para mim essa mudança cultural ao se revisitar obras tão solidificadas pelo tempo.
Eu não considero Blood on the Tracks o melhor álbum do Dylan, ao meu ver estando claramente atrás dos outros dois citados. Mas apesar de o achar superestimado dentro do catálogo do homem, é inquestionavelmente subestimado em contextos gerais. Se as pessoas parassem para ouvir e levar a sério o conteúdo desse álbum, sairiam transformadas.
E é um pouco disso que tento explicar nesse episódio.
Como disse antes, estou bem orgulhoso do resultado, e para ser sincero veio como uma lavagem de alma para mim, uma experiência extremamente pessoal e profunda.
Espero que gostem desse episódio, tinha tempo que não fazia algo que me agradasse tanto.
seg, 26 mai 2025 15:06:39 -0300
Doki-Doki! 5 - Yakuzas, Enxadristras e Existencialistas
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Bem vindo ao episódio dos restos!
Esse episódio de certa forma foi um dos mais preguiçosos porque eu realmente só falei de sobras de 2024. Não sobras no sentido de ninguém querer, mas sobras no sentido de não encaixarem no tema de nenhum outro episódio. Todos foram livros bons, mas não têm muita relação entre si.
Foram eles Confissões de um Yakuza, uma biografia de Bobby Fischer, Endgame, The Loser ou em português O Náufrago e Temor e Tremor. Os dois primeiros são sobre pessoas reais, um yakuza do começo do século XX e o excêntrico Bobby Fischer, possivelmente maior enxadrista da história e terrivelmente peculiar.
- Confessions of a Yakuza (Junichi Saga):
Esse livro é sobre um gângster japonês, mas longe de ser qualquer coisa dramática/romântica. A vida de um yakuza tradicional é extremamente pacata, tranquila e pouco emocionante. Eu fiquei sabendo desse livro através do Bob Dylan, que o referenciou várias vezes no álbum Love and Theft, e entendo perfeitamente por que ele se sentiu atraído pela vida de alguém como Eiji Ichiji, o yakuza em questão. Uma leitura muito interessante que coloca em perspectiva sua própria cultura;
- Endgame: Bobby Fischer's Remarkable Rise and Fall — From America's Brightest Prodigy to the Edge of Madness (Frank Brady):
Bobby Fischer foi o enxadrista mais interessante da história, na minha opinião. As pessoas tendem a exagerar o quanto ele ficou louco no fim da vida por causa de seu antissemitismo, racismo generalizado e paranóias conspiracionistas. Eu não acho que ele era louco, e esse livro mostra que todas as peculiaridades dele vieram de experiências reais. Obviamente ele estava errado em seu antissemitismo e conspirações, mas ele definitivamente não era louco;
- The Loser (Thomas Bernhardt):
Esse livro é muito artisticamente sensível, para pessoas que têm sensibilidade estética. A leitura é muito incomum, como dois grandes momentos de pensamento com você estando dentro da cabeça do protagonista, mas é edificante. Aqui nós acompanhamos a vida ficcional de Glenn Gould e de dois de seus amigos inexistentes. Só sobrou um deles, nosso protagonista, que está indo para o funeral de outro, sendo que Gould foi o primeiro a morrer. É um ambiente bem funéreo, mas de uma beleza dificilmente descritível. Grande livro;
- Temor e Tremor (Soren Kierkegaard):
Eu não gosto muito de comentar livros de filosofia pura, mas Temor e Tremor realmente mexeu comigo. Ainda estou para ler algo do dinamarquês que não fale com minha alma. Aqui nós seguimos a jornada de um dos heróis de Kierkegaard, Abraão, e vemos como o indivíduo se impõe sobre a massa. Seria extremamente ler esse livro e A Era Presente depois de A Rebelião das Massas, de Ortega y Gasset, que já foi comentado por aqui.
Meu favorito aqui foi o de Kierkegaard, mas todos agregaram de alguma forma. Se você gostar de biografias, sugiro bastante a do Bobby Fischer, e se tiver interesse em cultura japonesa, os livros do Saga talvez sejam excelentes. Pelo que sei de sua carreira, ele escreve memórias de pacientes mais velhos depois de gravá-las falando. Vale a pena. Bernhardt pode ser complicado de ler, mas vale a pena nem que seja puramente pela qualidade e sensibilidade estética.
Bem, até a próxima, amigos.
ter, 07 jan 2025 09:20:28 -0300